Por Sergio Caron ,
Director of Marine, Cargo & Logistic, Marsh Brasil
11/06/2025 · Leitura de 4 minutos
A gestão das cadeias de suprimentos no Brasil é desafiada por um cenário geopolítico de crescente instabilidade, no qual barreiras tarifárias inesperadas quebram a previsibilidade dos fluxos comerciais e forçam a reconfiguração de rotas logísticas. A necessidade de acelerar embarques ou buscar novos mercados pode gerar riscos financeiros maiores do que as perdas já previstas pelas sobretaxas. Conheça a seguir as principais vulnerabilidades ocultas e como se proteger.
Diante da imposição de novas tarifas e barreiras comerciais, uma rota tradicional pode se tornar financeiramente inviável e exportações tendem a ser desviadas para mercados alternativos.
Na busca por novos compradores, um exportador brasileiro pode, sem saber, iniciar uma transação com uma empresa ou país alvo de sanções internacionais. Esses controles, impostos por órgãos como o OFAC (Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros) dos EUA, a ONU e a Comunidade Europeia, visam coibir atividades ilícitas como lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e tráfico de drogas.
Nesses casos, seguradoras e, principalmente, as resseguradoras por trás delas, frequentemente estão sujeitas às legislações americanas e europeias, que as proíbem de fornecer cobertura para qualquer transação envolvendo entidades sancionadas. Na prática, uma apólice de seguro vigente pode simplesmente não cobrir o embarque para um destino sancionado.
Outro ponto relevante nas decisões de compra e venda é a escolha do Incoterm, o termo que define o ponto exato da transferência de responsabilidade.
Se um exportador aceita um termo como o DAP (Delivered at Place), ele permanece responsável pela carga até a entrega no destino final, percorrendo um longo trajeto sem a proteção do seguro.
Em contrapartida, ao negociar um termo como o FOB (Free on Board), o exportador transfere a responsabilidade para o comprador assim que a carga está a bordo do navio no porto brasileiro. Nesse caso, o risco da longa viagem e a complexidade de assegurar uma carga para um destino passam a ser do comprador.
Diante do anúncio de que uma sobretaxa entrará em vigor em uma data futura, a reação natural é acelerar os embarques para que a nacionalização ocorra antes do prazo. Para ganhar tempo, muitas empresas substituem o tradicional transporte marítimo pelo aéreo, que é consideravelmente mais rápido. O que muitos desconhecem é a drástica diferença na limitação de responsabilidade entre os modais.
No Brasil, o transporte aéreo é regido pela Convenção de Varsóvia, que permite ao transportador limitar sua responsabilidade a aproximadamente 20 dólares por quilo. Para cargas de alto valor agregado e baixo peso, isso representa um risco imenso. Como exemplo, um insumo farmacêutico avaliado em 8 milhões de dólares que pesa apenas 100 quilos, se for perdido, terá uma indenização legal por parte da companhia aérea de meros 2 mil dólares.
Nesse cenário, sem um seguro de carga adequado, que cubra o valor real da mercadoria, o prejuízo para a empresa é praticamente total.
Outra consequência das tarifas é a acumulação de cargas em zonas alfandegárias. Isso pode ocorrer tanto pela chegada simultânea de múltiplos embarques acelerados quanto pela decisão de um importador de retardar a nacionalização, apostando em uma futura queda da alíquota do imposto que compense os custos de armazenagem. Essa estratégia, no entanto, aciona três armadilhas de seguro:
Extrapolar o limite da apólice: o valor somado das cargas acumuladas em um único local pode facilmente ultrapassar o Limite Máximo de Garantia (LMG) previsto na apólice de seguro. Em caso de sinistro, a cobertura será apenas parcial.
Expirar o prazo de cobertura: as apólices de seguro possuem cláusulas que garantem a cobertura da carga em armazéns por um período limitado após o desembarque: geralmente, 30 dias para o modal aéreo e 60 dias para o marítimo. Se a carga permanecer no local por mais tempo, a cobertura cessa automaticamente, a menos que uma prorrogação seja negociada e paga antecipadamente.
Aumentar a exposição a catástrofes: concentrar um alto valor de mercadorias em um único ponto geográfico aumenta drasticamente a exposição a riscos catastróficos, como vendavais, inundações ou granizo, dependendo da localização do porto ou aeroporto.
Navegar neste ambiente exige uma gestão de riscos integrada, que analise criticamente os Incoterms, as cláusulas da apólice de seguro e o cenário geopolítico antes de cada decisão logística. A consulta a especialistas torna-se, portanto, fundamental para proteger a operação e o resultado financeiro da empresa.