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Artigo

Como mapear riscos psicossociais no trabalho?

Aprenda a mapear riscos psicossociais no trabalho, destacando a importância da participação dos colaboradores e da cultura organizacional para a saúde mental.

A atualização da NR-01 avançou ao reconhecer formalmente os riscos psicossociais no trabalho, exigindo que as empresas definam processos para identificar, avaliar, controlar e monitorar fatores de adoecimento psíquico. O primeiro passo para gerenciar essas ameaças é mapeá-las – e, nesse ponto, começam as dúvidas sobre o melhor caminho a seguir, uma vez que a norma não estabelece ferramentas padronizadas.

Para avançar nesse sentido, é importante reconhecer que cada organização carrega uma cultura singular, fruto de sua história, valores, estrutura e práticas de gestão. Por isso, o diagnóstico deve se apoiar em um olhar sensível a cada realidade, tendo como principal fonte de aprendizado o relato direto dos colaboradores.

Onde os riscos psicossociais geralmente estão?

1. Nas demandas do dia a dia

As demandas representam o volume e a complexidade das tarefas exigidas dos colaboradores, assim como a clareza sobre o que se espera de cada função. Quando o ritmo de trabalho ultrapassa a capacidade de resposta, seja por excesso de tarefas, prazos incompatíveis, falta de definição de papéis ou de recursos adequados, há aumento do estresse, do esgotamento e do risco de erros.

2. Nos processos da organização

As práticas e processos internos influenciam diretamente a percepção de segurança e controle dos trabalhadores. Mudanças organizacionais mal planejadas, falta de comunicação transparente ou burocracias excessivas criam incertezas e receios, contribuindo para a insegurança psicológica.

3. No ambiente interpessoal de trabalho

O ambiente interpessoal de trabalho é marcado por relações de respeito e cooperação ou, ao contrário, por comportamentos de assédio, bullying e exclusão – e o segundo caso exerce impacto imediato na saúde mental. É importante estender essa mesma atenção a tensões mais sutis, como rivalidades, fofocas e comportamentos passivo-agressivos que podem corroer o clima organizacional se não forem identificados e corrigidos.

4. Nas condições físicas e técnicas do trabalho

Falta de autonomia para tomar decisões, isolamento em atividades que não incluem interação, estações de trabalho com iluminação ou mobiliário inadequados e altos níveis de ruído são exemplos de fatores que, embora por vezes subjetivos, podem comprometer a segurança e o bem-estar.

5. No estilo de liderança

O estilo de liderança atua como elemento catalisador, podendo tanto atenuar quanto agravar os riscos psicossociais. Gestores que mantêm contato próximo, praticam feedback construtivo e reconhecem conquistas fortalecem o engajamento e a resiliência da equipe. Por outro lado, lideranças distantes, autoritárias ou inconsistentes nas orientações elevam a sensação de insegurança e desvalorização.

Como mapear os riscos de acordo com as particularidades da minha organização?

1. Observação direta

A observação direta é o ponto de partida para mapear riscos psicossociais: ela permite olhar de perto como o trabalho acontece na prática e capturar nuances que só surgem no dia a dia. Para torná-la efetiva, é importante ter os seguintes cuidados:

  • Faça um planejamento estruturado: defina quais áreas, turnos e processos serão acompanhados e estipule períodos representativos (manhã, pico de operação e encerramento). Assim, você garante que tanto as rotinas mais tranquilas quanto os momentos de maior pressão sejam observados.
  • Estruture um registro sistemático: utilize um formulário simples – data, hora, local, tarefa realizada e eventuais sinais de tensão (por exemplo, rapidez excessiva, interrupções frequentes ou troca acalorada de informações). A comparação desses registros ao longo do tempo ajuda a identificar padrões, como dias da semana ou horários em que o estresse se intensifica.
  • Contrate um profissional habilitado: garanta que a inspeção seja feita por um profissional com conhecimento em segurança ou psicologia organizacional, capaz de diferenciar um pico normal de trabalho de um ponto de tensão que pode desencadear adoecimento. Esse olhar especializado enriquece a interpretação dos comportamentos observados.

Com essa abordagem “mão na massa”, a organização começa a construir um diagnóstico fundado em evidências reais, alinhado às nuances do seu cotidiano operacional e pronto para orientar etapas seguintes de investigação e ação.

2. Mapeamento

O mapeamento complementa a observação direta ao dar voz aos próprios colaboradores, capturando sua percepção sobre fatores psicossociais. Para que essa etapa seja consistente e útil, é importante seguir essas recomendações:

  • Escolha uma ferramenta validada: utilize um questionário cientificamente estruturado, cuja metodologia já tenha sido testada e comprovada em estudos sobre riscos psicossociais. Isso garante que as perguntas sejam claras e que os resultados sejam comparáveis ao longo do tempo. Caso prefira construir seu próprio questionário de pesquisa, é importante que ele seja validado por um profissional da área.
  • Contemple temas essenciais: Estruture o instrumento de modo a abordar, no mínimo: carga e ritmo de trabalho, relações interpessoais e clima organizacional, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, satisfação com as funções e reconhecimento, qualidade da comunicação interna.
  • Garanta anonimato e confidencialidade: assegure que as respostas sejam totalmente anônimas, eliminando qualquer identificação direta do respondente. Isso é fundamental para estimular a sinceridade e refletir cenários reais, sem receio de retaliações.
  • Planeje uma amostragem estratégica: não é necessário aplicar o questionário a todos os colaboradores em 30 dias – organize uma amostragem representativa e, se possível, randomizada. Assim você obtém uma base de dados robusta que pode ser projetada para todo o quadro, sem sobrecarregar o time.

Os insights obtidos devem alimentar o plano de ação, orientando intervenções focadas e mensuráveis, sempre alinhadas à cultura e à realidade operacional da organização.

3. Focus groups

Os focus groups (grupos focais) são encontros estruturados em que pequenos grupos de colaboradores discutem abertamente suas percepções sobre riscos psicossociais, aprofundando temas que eventualmente não emergem em questionários ou na observação direta. Para conduzir grupos focais com eficácia, é importante:

  • Defina objetivos claros: antes de reunir o grupo, esclareça quais aspectos dos riscos precisam ser explorados (por exemplo, tensões de equipe, efeitos de recentes mudanças organizacionais ou percepção sobre autonomia). Isso orienta o roteiro da conversa e maximiza o tempo de todos.
  • Garanta um ambiente seguro e confidencial: escolha um espaço reservado, sem interrupções, e inicie reforçando a confidencialidade: tudo o que for falado ali não será vinculado a nomes, nem gerará retaliações. A sensação de segurança estimula relatos mais honestos e detalhados.
  • Providencie uma mediação qualificada: contrate ou habilite um facilitador com competência em dinâmicas de grupo. Cabe a ele manter o foco, incentivar a participação de todos e lidar com possíveis rupturas – por exemplo, quando um participante domina a conversa ou outro se afasta.

Como envolver os colaboradores na identificação de riscos psicossociais?

Para garantir um mapeamento assertivo, também é fundamental estruturar canais e práticas que garantam escuta ativa, ação efetiva e continuidade no processo. A seguir, três pilares essenciais:

  • Estabeleça canais de comunicação diretos: além do canal de compliance ou denúncias previsto na norma, crie um canal direto dedicado a receber relatos, sugestões e dúvidas. Defina e divulgue um protocolo de atuação para cada tipo de denúncia ou sinalização: quem recebe, como registrar, quem investiga e em quanto tempo o colaborador terá retorno. Ter o canal sem esse fluxo é ficar “refém” da ferramenta, sem garantir desdobramentos.
  • Organize treinamentos: conscientize e capacite os gestores e suas equipes a reconhecerem e relatarem potenciais problemas no ambiente de trabalho. Mas atenção: antes de agendar palestras ou workshops, defina metas claras, conectando cada módulo a indicadores de saúde mental e ações concretas.
  • Proporcione um ambiente psicologicamente seguro: é fundamental criar um ambiente psicologicamente seguro, onde os trabalhadores se sintam à vontade para expressar suas opiniões e preocupações de forma direta. Invista em capacitação específica para gestores, focada em escuta empática e condução de diálogos sobre bem-estar. 

Esse diagnóstico deve ser visto como o ponto de partida de uma jornada de transformação cultural que precisa ser sustentável. Por isso, o próximo passo é definir um caminho claro com ações concretas, de modo que cada insight capturado inspire comportamentos diferentes.