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O mercado de criptomoedas da América Latina está disparando

Por Peter Schechter, condutor do podcast Altamar Global Issues e colunista do Brink/Brink News

A criptomoeda e sua tecnologia blockchain subjacente estão em um aumento meteórico na América Latina.

A falta de regulamentação da moeda digital envolveu o setor em histórias de empresas criminosas e, sem dúvida, a corrupção, a confidencialidade e a lavagem de dinheiro possuem um papel importante na adoção da criptomoeda na América Latina.

Porém, a adoção tão rápida do Bitcoin e de outras criptomoedas na região também deriva de iniciativas inovadoras para combater a corrupção e o roubo, impulsionar a produtividade corporativa e promover políticas benéficas.

Uma adoção de criptografia jovem, sem bancos e conectada

Segundo um estudo publicado ano passado por Statista, um dos principais portais de estatística do mundo, a região da América Latina tem o maior número de usuários de criptomoedas no mundo.

Brasil, Colômbia, Argentina, México e Chile se encontram dentro dos 10 principais países de criptomoedas (Venezuela não participou do estudo). Enquanto que Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e França estavam mais próximos ao final da lista.

Por quê?

Grande parte da América Latina tem sido sacudida pelo caos financeiro dos últimos anos. Em meio ao desemprego e à queda das reservas, a inflação argentina aumentou 53,8% em 2019. A elevação dos preços também afetou o Brasil, onde, em 2015, a inflação aumentou à taxa mais alta em 13 anos. Apesar do risco e a volatilidade da criptomoeda, os ativos digitais se converteram em uma alternativa viável em comparação com as moedas nacionais instáveis.

Bom para remessas

De igual modo, a criptomoeda oferece um método rápido e seguro para enviar remessas. Nos últimos anos, os migrantes da América Latina e do Caribe têm enviado uma quantidade recorde de dinheiro a seus países de origem.

Startups como La PlataForma, do Chile, por exemplo, permite aos usuários transferir fundos a familiares ou amigos em uma variedade de países da região através da tecnologia blockchain. Enquanto milhões de venezuelanos fogem para ter uma nova vida em outros países, a empresa colombiana Valiu criou um sistema baseado em blockchain que transfere remessas à Venezuela em menos de uma hora e de um modo que evita roubos.

Enquanto isso, a barreira à entrada da criptomoeda em muitos países latino-americanos é, frequentemente, mais baixa que as formas tradicionais de administração financeira. Aproximadamente a metade da população latino-americana não tem acesso a serviços bancários básicos. Somente 113 milhões de pessoas, em uma população de aproximadamente 650 milhões, têm cartões de crédito.

Por outro lado, o Banco Mundial informa que 55% dos adultos da região possuem um celular e têm acesso à internet, 15 pontos percentuais a mais que a média dos países em desenvolvimento. Uma grande população que não utiliza bancos, mas possui acesso a WiFi acredita que realizar transações em criptomoeda seja muito mais fácil que abrir uma conta corrente.

Venezuela: um salva-vidas para os cidadãos

Nenhum país na América Latina mostra dados melhores da criptomoeda que a Venezuela. A medida que a nação tem visto que sua moeda não tem valor em meio à hiperinflação, no estilo zimbabuense, os venezuelanos têm recorrido ao dinheiro digital como uma alternativa ao Bolívar.

Inclusive, em meio a apagões persistentes, a Venezuela é hoje um dos principais mercados de transações de criptomoedas entre pares, segundo LocalBitcoins, uma plataforma popular de comércio de bitcoins. Crypto é um método de pagamento comum na principal plataforma de comércio eletrônico do país: os freelancers frequentemente oferecem seus serviços com pagamento em bitcoins e, até mesmo, os varejistas tradicionais determinam seus preços em dinheiro digital (em janeiro de 2020, a rede de restaurantes Burger King começou a aceitar criptomoedas na Venezuela).

A criptomoeda também tem servido à Venezuela como uma ferramenta chave para ajuda humanitária

A negativa do governo venezuelano a declarar formalmente uma emergência humanitária bloqueou a ajuda de muitas agências internacionais. Por sua vez, o dinheiro digital tem permitido que organizações beneficentes do país, como a Iniciativa Bitcoin para Venezuela, recebam doações de criptomoedas para alimentos, medicamentos, roupas e outros recursos que os venezuelanos necessitem, evitando corrupção e as restrições do regime.

Essas são as boas notícias.

E os maus agentes

Por outro lado, a Venezuela também tem acompanhado um uso desenfreado da criptomoeda por parte de agentes mal-intencionados. Ela é uma nação afetada pelo narcotráfico, corrupção, mineração ilegal, agricultura e outras atividades criminosas.

A medida que a Venezuela se isola cada vez mais do sistema financeiro global, o regime tratou de se proteger da pressão externa para tentar lançar a primeira criptomoeda soberana do mundo, o Petro, que não deu certo. O governo tentou estimular sua moeda digital aos venezuelanos, incluindo o lançamento de um novo cassino internacional em Petro e a obrigação para as companhias aéreas de comprar combustível com Petro.

O governo também ajudou a popularizar a criptomoeda entre os venezuelanos como uma doação, lançando o Petro para militares e jubilados antes do período de festas de final de ano.

Enquanto isso, a companhia petroleira estatal PDVSA conta que o banco central da Venezuela mantenha criptomoedas em seus cofres e quer que o governo use-as para pagar as entidades as quais PDVSA deve dinheiro.

Em janeiro deste ano, o presidente Nicolás Maduro assinou um decreto para vender 4.5 milhões de barris de petróleo das reservas da PDVSA em troca de Petro.

Regulamentação de criptomoeda

Um fator importante que expandirá, amadurecerá e popularizará a indústria das criptomoedas na América Latina é a participação ativa dos governos na regulamentação e promoção do mercado.

Isso já está acontecendo. Em primeiro de agosto de 2019, entrou em vigor no Brasil a regulamentação que exige aos residentes brasileiros a declaração de transações que envolvam criptomoedas. A Receita Federal informa cerca de USD 3 bilhões (aproximadamente R$ 12.5 bilhões) em um total de 2.49 milhões de transações de criptomoedas, declaradas pelos contribuintes entre agosto e setembro de 2019. O Banco Central do Brasil também tem reconhecido oficialmente as criptomoedas como um ativo de cálculo na balança financeira.

Enquanto isso, os governos da região também estão promovendo ativamente a tecnologia blockchain subjacente da criptomoeda. Por exemplo, o gabinete do fiscal geral da Colômbia está utilizando uma rede blockchain para aumentar a transparência na colocação de novos contratos e minimizar os casos de corrupção.

Em dezembro de 2019, a Colômbia anunciou uma nova iniciativa governamental para impulsionar a adoção da tecnologia blockchain no país. Seguindo este mesmo caminho, a companhia petroleira estatal colombiana, Ecopetrol, anunciou recentemente novos investimentos em tecnologia blockchain para melhorar suas cadeias de suprimento de petróleo e gás em seu plano de gastos de 2020.

A conversão é uma alternativa viável

A América Latina representa uma região revolucionária para a indústria das criptomoedas e blockchain, e está preparada para um crescimento maior. A moeda digital tem um grande caminho a percorrer antes de se converter em uma corrente principal. A adoção pode simplesmente decorrer do desepero financeiro e o desejo pela confidencialidade.

Mas ainda parte da história da criptomoeda é sobre má conduta e corrupção: há evidências reais de que a América Latina está tornando a criptografia uma alternativa séria e viável em relação à moeda tradicional. Com uma regulamentação adequada, a região pode se tornar líder mundial de aplicações eficientes do mundo real para as criptomoedas.